Meu desassossego...
“É uma vontade de não querer ter pensamento,
um desejo de nunca ter sido nada,
um desespero consciente de todas
as células do corpo e da alma.
É o sentimento súbito de se estar
enclausurado na cela infinita.
Para onde pensar em fugir,
se só a cela é tudo?”
Bernardo Soares
É um desses livros para ser lido de acordo com a vontade-necessidade-desejo manifestados na pele-alma-memória… porque há livros que são assim: nos pedem espaço, nos impõe pausas e tem ritmo próprio. Em alguns casos, nos pedem pequenas viagens: do criado-mudo à mesa da cozinha... do canto do sofá a um móvel qualquer no banheiro... pela cidade a bordo de um ônibus, trem ou metrô...
O meu “livro do desassossego” já percorreu cenários diversos... recebeu várias marcações e centenas de anotações… atravessou o oceano e vai comigo pelos diversos cantos da cidade. Já esteve em museus, cafés, praças, salas... participou de diálogos cheios-vazios-pela-metade, aguentou a longa e interminável fila de carros nas marginais, aguardou na sala de espera por atendimento.
A versão que emprestei é recente... é um desses lançamentos que ocorrem de tempos em tempos, quando alguém inventa um motivo qualquer — a capa, o aniversário do autor ou algum modismo bobo-de-momento — para trazer de volta o livro às prateleiras das livrarias... como se dessa maneira, fosse possível evitar o esquecimento da obra.
Na "nova edição" da Companhia das Letras... Richard Zenith estabeleceu uma espécie de nova ordem e acrescentou trechos 'recém-descobertos' no espólio de poeta. No entanto, na qualidade de pesquisador de Fernando Pessoa, se sentiu a vontade para descartar alguns trechos — que existia em versões anteriores.
O desassossego de Pessoa foi creditado ao senhor Bernardo Soares — um dos muitos heterônimos do poeta português — e mais parece um combinado de "notas mentais" que nos entregam — como se fosse uma confissão — o estado psíquico, apaixonado... e todo o conhecimento de Pessoa, que segundo consta, vivia o seu auge criativo...
Esse livro poderia muito bem ser uma espécie de diário do autor... já que é composto por anotações feitas ao longo de dias-semanas-meses — ou como tanto gostam de denominar as editoras e seus editores: são fragmentos de sua realidade insana-imensa.
Fernando Pessoa gostava de se refugiar em personalidades inventadas — fato exaustivamente investigado e metodicamente explicado. O que me surpreende, no entanto, é o aspecto que se busca para explicar sua condição. São tantas analogias absurdas que, o mais simples dos argumentos acaba por nem ser mencionado.
Ninguém afirma que, na condução de autor, lidar com tantas dissonâncias ficava mais fácil se colocadas em segundo plano, no caso, na condição de personagem.
Não somos os mesmos... a vida, a realidade, as pessoas... mudam. E com o autor não é diferente... ele acompanha todos esses movimentos-ciclos. Morre-se milhares de vezes e volta a vida centenas, talvez milhares de vezes até não mais ser possível...
Pessoa disse que conheceu Bernardo Soares numa pequena casa de pasto — café — frequentada por ambos e teria sido justamente nesse cenário, que Bernardo teria dado à Fernando os escritos de seu: “Livro do Desassossego”...
Não somos os mesmos... a vida, a realidade, as pessoas... mudam. E com o autor não é diferente... ele acompanha todos esses movimentos-ciclos. Morre-se milhares de vezes e volta a vida centenas, talvez milhares de vezes até não mais ser possível...
Pessoa disse que conheceu Bernardo Soares numa pequena casa de pasto — café — frequentada por ambos e teria sido justamente nesse cenário, que Bernardo teria dado à Fernando os escritos de seu: “Livro do Desassossego”...
Eu prefiro dizer que foi uma liberdade que o Poeta deu a si mesmo... de oscilar entre a inquietação-o-tédio-a-angústia-e-uma-imensa-lucidez. Nomeou suas sombras e tagarelou com elas, talvez por saber que ninguém além dos seus 'fantasmas' o entenderia. E eu ouço seus sopros e penso: quem me dera enlouquecer com a mesma simplicidade. Quem me dera...
“A solidão desola-me.
A companhia oprime-me.
A companhia oprime-me.
A presença de outra pessoa
desencaminha-me os pensamentos.”
desencaminha-me os pensamentos.”
Fernando Pessoa/Bernardo Soares