RESENHA | Outras maneiras de usar a boca de Rupi Kaur
As melhores paisagens de São Paulo, envolvem livros. A Cultura, na Paulista, instalada no famoso Conjunto Nacional. A Livraria da Vila, com suas várias unidades na cidade... todas simpáticas, sendo a de Moema a melhor — sem dúvida. Cenários para se ver com calma. Limpar o pé ao chegar e se aventurar pelo lugar-casa-livraria. Vasculhar a mobília. Prestar atenção nos quadros. Sentir aquele cheiro gosto de café-bolo-chá.
E foi numa dessas andanças — depois de um dia de trabalho —, que me deparei com Rupi Kaur... recém chegada à ilha de livros. Seu título enorme-imenso provocou cada um dos meus sentidos.
Folheei ali mesmo... em pé, com fome-sede-desejo-vontade. Não sabia a autora. Sua escrita era um deserto a ser explorado. Figura inédita em meus vãos. Fui consumindo cada um de seus versos orientados nas páginas — lado a lado —, com ilustrações feitas pela poeta-menina-mulher-figura-estrangeira.
Traguei do cigarro imaginário que queimava entre meus dedos. Dos cafés servidos em xícaras de ontem. Engasguei. E quando voltei a mim... já tinha lido metade do livro e o lugar estava a fechar suas portas. Era preciso voltar...
Paguei pelo exemplar e fomos por aí, de mãos dadas a lerem-se.
Poesia não vende — dizem. Em tempos de redes sociais, todo mundo é poeta — retrucam. Eu aprendi a ler através de poderosos versos e a realidade sempre se orientou melhor a partir da poesia de certos senhores. Como é fácil se liquefazer através de um verso bem escrito que veste e desnuda num mesmo segundo. Como é fácil não dizer quando já o fizeram por ti, com as palavras certas-definitivas.
Eu sempre fui silenciosa-quieta... quase muda. Atenta ao que era discurso, me aborrecia com facilidade e, se chamada ao diálogo, bufava pesado. Sempre fui curiosa-indócil... disposta a compreender todos os símbolos e atribuir sentido ao que dizia.
Emily Dickinson foi minhas asas. Quando a sorvi... perdi a mim. Fiquei sem corpo-pele-alma. Nada. Me desorientei. A poesia de Emily dizia meus silêncios. Explicava minha monotonia.
Estava morta, como a maioria dos poetas e ainda assim falava comigo. Sabia meus segredos todos. Meus medos. Conhecia o lado de dentro. Esse lugar ainda inominável.
Poesia é silêncio... foi o que entendi ainda menina e nada conseguiu me demover dessa certeza.
Desde então, descobri vários poetas. Rupi foi a última a chegar em mim... esse vendaval. Eclipse. Lua Cheia-minguante. Ela retalhou minha pele com suas linhas mínimas. Um diálogo solto no ar, feito pássaros a voar que você observa ao passar da janela... e quando dá por si, está a voar junto e a descobrir “outras maneiras de usar a boca”.
1 comentários
Agradeço pelo feed back Chris.
ResponderExcluirbeijos
Obrigada por comentar.
Responderei em breve, por isso ative as notificações.