RESENHA | Diários 1947-1963 de Susan Sontag

by - 30 maio


'diários de Susan Sontag'.

“detesto ficar sozinha porque quando sozinha eu me sinto com uns dez anos de idade. Tímida, insegura, sem jeito, perseguida por dúvidas de ter ou não ter permissão para fazer isso ou aquilo. Quando estou com outra pessoa, tomo emprestada a condição de adulto + auto confiança do outro” — pág 329 — anotação feita 26/03/1963.

A primeira vez que li um diário... foi no século passado como é delicioso dizer isso pouco depois da morte de PR. Ele mantinha notas sobre si em um velho moleskine... e, ao passear por seus dias repletos de significados , reencontrei a nós dois. Eu era chamada por ele de “menina Eliot” em referência à maneira como nos conhecemos. Eu com um livro do poeta inglês em mãos e ele com seu olhar curioso... sem compreender a cena.

Foi ele quem me apresentou ao universo dos blogues intuindo que seria um excelente aliado à minha realidade literária , e a muitos autores... entre eles: Susan Sontag você precisa ler essa mulher” foi o que me disse ao me presentear com o livro: “ao mesmo tempo”...   

A “desconhecida” Susan Sontag o fazia exclamar em voz alta, com um sorriso arteiro nos lábios: “que mulher!”. Embora se ressentisse por ela não assumir sua homossexualidade e não se unir ao grupo que batalhava por um lugar ao sol desde os anos sessenta. Mesmo assim ele a admirava e acompanhava sua trajetória literária. E foi depois de uma lenta caminhada entre as prateleiras da sua livraria favorita Community Bookstore, em NY , colhendo livros e mais livros, que ele esbarrou no exemplar “diários 1947-1963”.  Eu o segurei em mãos com algum desconforto. Sabia que não iria conseguir ler aquelas benditas páginas.

Um diário é algo pessoal era o que eu pensava naqueles dias. Sentia que ao virar aquelas páginas estaria a invadir a vida de uma das intelectuais mais importantes do século XX e isso era estranho e maravilhoso ao mesmo tempo. Levei o livro para casa e o deixei na prateleira, em estado de abandono. Vez ou outra... passava por ele. O sentia na ponta dos dedos — toque rápido —, mas a sua condição permaneceu inalterada durante muito tempo.

Depois de ler o diário de PR mudei de opinião. A esta altura Susan Sontag já havia morrido em consequência de um câncer e sua condição era outra em minha realidade. Sabia um punhado de coisas a respeito da autora. Tinha devorado a maioria de seus livros... de romances à ensaios-críticas. Já tinha determinado, com alguma satisfação, que Sontag era uma metralhadora giratória de opiniões.

Abri uma garrafa de vinho e devorei o livro-diário. Os escritos de Sontag são ensaios sobre si. É impossível não se encantar por essa espécie de retalhos que vai formando a pessoa que foi. As dúvidas-certezas-tormentos-desconfortos e o elemento principal: a construção de um pensamento.

É possível percebê-la ainda jovem, vazia, em busca de tudo e nada. É notável a necessidade de saber-conhecer e ir além de suas fronteiras pessoais. Dia após dia... nota após nota... ela vai se reinventando a partir das leituras que fez, das pessoas que conheceu e com quem travou excepcionais “batalhas”. Os lugares que frequentou e suas opiniões definitivas sobre tudo e todos.

“Casei com Philip com plena consciência + medo da minha própria vontade apontada para a autodestrutividade”. — pág 87 — anotada em 03/01/1951.

Descobri ao virar das páginas , uma mulher comum... que desejava amar, ser amada... tinha verdadeiro pavor de estar sozinha e tudo o que queria era escrever suas experiências-reais. 

Sua escrita não se deixa nortear pelo imaginário nem mesmo para compor suas personagens. A ficção de Susan sempre esbarrou em sua realidade. Nascia de seus sonhos, onde seus conflitos pessoais se dissolviam, obrigando-a a qualquer coisa de compreensão. Enquanto não solucionava seus mistérios... ela escrevia. Uma coisa parecia depender da outra. Talvez por isso eu prefira seus ensaios-crônicas aos romances.

Os diários de Susan Sontag estão divididos em três partes. O primeiro e o segundo foram lançados no Brasil pela Companhia das letras. Foram organizados pelo filho David Rieff... que fez cortes e recortes para preservar a mãe ou a si. Não sei se ela aprovaria tal cuidado. E também inseriu notas para explicar anotações feitas facilmente descartadas por um leitor interessado em Susan.

“Pois depois de ser femme para Harriet e ‘machona’ para L, recordo que tive mais satisfação física em ser ‘passiva’, se bem que emocionalmente eu sou do tipo amante, não do tipo amada. Meu Deus, como tudo isso é absurdo!!!”. — pág 63 — anotada em 01/09/1949.

O que temos, no entanto, é o bastante para compor um belo traço dessa mulher incrível, que acusou a si pelos defeitos de caráter, enumerados por ela ao longo das páginas. Que tentou amar por considerar uma obrigação , a mulher-mãe... que, no entanto, só conseguiu odiar e desprezar. Que sobreviveu aos amores com quem viveu em estado permanente de conflito. E foi mãe e esposa de alguém apenas para cumprir para com as obrigações de mulher... e estar livre para viver sem amarras e freios sociais, de acordo com suas vontades-desejos.

Mas, se você não conhece Susan Sontag, recomendo que aterrisse o olhar em “Ao mesmo tempo” ou “Questão de ênfase” para compreender a força avassaladora dessa autora-crítica-ensaísta que cravou seu nome na história da literatura... antes de mergulhar em seus diários e desmistificar o mito Sontag.


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18 comentários

  1. Não conheço Susan Sontag, mas a partir deste post, inclinei me as suas indicações e começarei por "Questão de ênfase" para então ler o diário. Bjs

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    1. Tenho certeza Galega, que você vai amar.
      beijos e volte sempre ♥

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  2. Nossa, muito bom, só a passagem inicial já me fez com que me identificasse muito, infelizmente né? rs....mas parabens pelo blog, voltarei mais vezes ;)

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  3. Ícone da contracultura norteamericana nos anos 60 e 70 do século passado desde seu célebre Contra a interpretação (1966), conjunto de ensaios que a celebrizou, volta a reavivar-se o mito da ensaísta e romancista Susan Sontag (1933-2004) com a publicação de seu diário de juventude, Diários (1947-1963), o primeiro de três volumes previstos.

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  4. Fui lendo o post com a sensação que a forma de escrever me era familiar e fiquei meio sem entender. Quando vi a foto da Lunna ao final, entendi: adoro os textos dela e a escrita é fácil de identificar. Gosto muito de ler diários, acho fantástico essa coisa de ver a história de uma pessoa contada por ela mesma, acompanhar sua evolução. Um dos primeiro que li, ainda adolescente, e que marcou foi O Diário de Anne Frank. Admito que não conheço Susan Sontag, mas depois do post vou pesquisar sobe ela.

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    1. hahaha é Juliana, a Luuna é minha parceria aqui no blog.
      Fico feliz que tenha gostado
      beijos ♥

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  5. Ainda não ouvir falar sobre Susan Sontag, mas pela sua resenha parece ser uma autora ótima para leitura, e com senso crítico, algo q me atrai muito na leitura... Parabéns e valeu pela dica...

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    1. A susan é uma excelente escritora Jonas, Você poderia ler um de suas publicações vai gostar.
      bjos ♥

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  6. Olá! Primeiramente, que blog lindo.
    E segundamente, eu nunca li nada dessa autora, mas me deparar com essa resenha, me deixou com aquele gostinho de devorar tudo que foi escrito por ela, inclusive seu diário.
    Se seria algo pesado? Com toda certeza. Eu que amo escrever, ficaria incomodada de ter alguém revirando as páginas dos meus pensamentos, já que também amo escrever diários.
    Lunna, ficou maravilha essa resenha <3

    Abraços|| Psicologia de Boteco
    www.johanymedeirosutopia.blogspot.com.br

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  7. Oi Lunna, tudo bem?

    Ainda não conhecia a autora e não li nenhum de suas obras, mas fiquei curiosa. Sua forma de trazer o livro foi espetacular, pois você nos faz imergir nas suas palavras e acaba parecendo que estamos lendo outra história. Simplesmente amei, parabéns!

    beijos!

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  8. Oiiie,
    não tinha ouvido falar antes sobre essa autora e suas obras mas gostei bastante, mas pelo visto me parece ser uma boa mesmo! aparentemente bastante gostaram

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    1. é uma boa obra literária, pra quem gosta de ler livros é uma cereja do bolo.
      beijinhos ♥

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  9. Nossa não a conhecia, que foda, vou ler com certeza primeiro as duas dicas do final.
    Obg!

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