RESENHA | Questão de ênfase de Susan Sontag

by - 12 setembro


 Questão de ênfase de Susan Sontag

Antes de sair de casa, nessa manhã de segunda-feira — a última de agosto — saquei da prateleira um de meus livros preferidos-lidos-muitas-vezes nos últimos anos, como forma de oxigenar a mente... porque preciso respirar quando finalizo projetos pessoais. 

Aproveitei os movimentos da cidade — a bordo do Coletivo — por caminhos conhecidos... do Centro — e sua arquitetura antiga-amontoada-modorrenta — à Zona Sul — suas elegantes alamedas a se oferecer aos pés... e os caprichosos cafés entre esquinas a me convidar para horas de leitura-escrita-café... 

Enquanto o ônibus acessava a vinte e três de maio... me misturava aos ensaios escritos por Susan Sontag entre 1981 e 2001 — devidamente esparramos por 446 páginas. 

O livro “questão de ênfase” — um dos últimos a ser organizados-publicados pela autora — nos afronta e parece inventado para nos arrancar de nossa impiedosa zona de conforto. Não é possível permanecer indiferente a voz firme-forte da autora, que diz-escreve o que pensa-sente a respeito das coisas do mundo, como se tudo estivesse a sua espera para contestar-criticar ou apenas nos apresentar. 

Gosto imenso de seu grito agudo diante de uma realidade frágil-comum, com a qual ninguém quer mexer porque é como um enxame de abelhas. 

Susan, no entanto, parece não se importar com os ferrões... e se mostra disposta a fazer uso de toda a sua paixão-sensibilidade-e-criatividade ao falar-escrever sobre a literatura moderna-contemporânea, sem se render aos livros-frutos do mercado, dando preferência a produções fora dos centros dominantes. 

É admirável como Susan não nos cala com sua voz firme-forte, pelo contrário, nos convoca ao embate-debate de idéias, nos obrigando a reflexão. 


Que falta faz a esse tempo de discursos viciados, alguém que faça uso desse elemento introduzido por Sartre, aprimorado por Said, Vidal, Susan... e outros poucos. 

É impossível não concluir que estamos cada vez mais pobres-miseráveis-limitados-incapazes. Repetimos frases prontas. Recusamos o debate. Preferimos discussões vazias-iguais. Não aceitamos ser contestados e discordamos por discordar somente, porque o novo e o diferente nos incomoda. 

Durante a leitura fiz algumas pausas para admirar o mundo ao meu redor e ver o que mudou desde a partida da autora... no ano de 2004. É estranho perceber que ela fez previsões assertivas. Não se enganou no que deixou escrito — promessas-premissas. O mundo piorou e nós também. 


Para quem se interessar... 'questão de ênfase' está dividido em três partes. A primeira —ler — é dedicada a literatura. A segunda — ver — as artes e visuais... e a terceira e última parte — aqui e acolá —, nos deparamos com o testemunho de uma mulher-navegante, que percorreu continentes, se misturou a povos-culturas, foi outra e voltou para si, modificada pelos temas que derramou nessas páginas.

Não é um livro para se ler aos poucos, em pequenos goles, com pausas necessárias para oxigenar a mente-alma-pele e deixar se perder do mundo-vida-coisas. 

Você viaja através dos séculos... lamenta a morte-vida, o plano futuro e o passado-perdido — por ter chegado um dia depois de tantas coisas, Mas, reconhece que, infelizmente, não é tarde mais para experimentar de certos elementos que mesmo após ampla discussão, permanecem em pauta, graças a nossa limitação. Ao menos, somos capazes de reconhecer onde foi que tudo desandou e o que deixamos de fazer para ser melhor do que éramos ontem. 

Em ‘questão de ênfase” é impossível saciar a sede de leitora, mas não dá para recusar a febre que causa na pele da mulher, que sou. E não tenho dúvidas de que era isso que pretendia a autora-ensaísta.
Questão de ênfase, ensaios
Where the stress falls: essays 
Susan Sontag — Companhia das Letras 
2005

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2 comentários

  1. Bom, se é um livro para se ler em doses cavalares, por nos instigar o tempo todo a continuar e continuar a navegar, ou trafegar pela história, quem não toparia ler?! Me encantei em profundo com a resenha e com o blog também! Parabéns!

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    Respostas
    1. Concordo, quem não toparia?
      Obrigada Ana Claudia. Venha sempre aqui puder.

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