RESENHA | O papel de parede amarelo de Charlotte Perkins Gilman

by - 31 outubro

O papel de parede amarelo de Charlotte Perkins Gilman

Estava sentada no café entre esquinas, quando se formou uma roda de mulheres, num desses encontros orquestrados por esse tal de destino-acaso. Desenhista-escritora-vendedora-arquiteta-do-lar. E, no embalo de pesados goles de café, um diálogo teve início... sobre nossas muitas realidades, que fez ecoar pelo ar, risadas espaçadas e curiosas demonstração de espantos... indo atracar repentinamente no livro: 'o papel de parede amarelo'. 

Como ainda não o tinha lido... a não-leitura me permitiu participar-observar o interessante debate. Opiniões interessantes-dissonantes sobre o nosso ‘papel’, na realidade paulistana. Mulheres entre 30 e 40 anos. Classe média. Brancas. Graduadas e sem filhos. Privilegiadas... com um espaço-mundo a disposição. Nenhuma era capaz de relatar preconceitos sofridos-vivenciados. Agressões físicas-verbais. O que nos coloca em um seleto grupo com consciência de que: ‘somos exceção’ e gera um sentimento dúbio de alegria-tristeza-gratidão. 

Assim que cheguei a casa, fui atrás do livro, na prateleira. Há tempos que ensaio essa leitura, que foi ficando para esse tempo inexistente: o depois – convertido em hoje, nessa noite, em que deixei meus olhos atracarem nas sessenta e nove páginas, onde um Conto se escreve. 

Se trata de uma leitura rápida... que nos obriga a uma pergunta: 'qual o papel na realidade, que me abriga?'. E a resposta causou a mesma dor, que um soco na boca do estômago. Fiquei completamente sem ar, a espiar o lugar-espaço. A ponderar minhas escolhas, medir meus espaços e a revisitar certos diálogos. 

Quando nascemos, não somos ninguém. Por mais que digam e insistam no contrário. E, aos poucos, vamos sendo inseridos em conceitos prontos. Aprendemos a partir da doutrina familiar o que é certo-errado, bom-mal... para nós e para o outro. 


Alguns de nós se libertam dessas amarras.
Outros, no entanto, se veem presos a esse papel (amarelo).


Antigamente, as mulheres deveriam ser donas de casa, mães dos filhos dos homens de bem... e cuidar para que o lar fosse um ambiente confortável para esses Senhores, que tinham um mundo inteiro para si. Éramos educadas para esse fim... e poucas, conseguiam se desvencilhar dessa sina. 

Muita coisa mudou, mas os papéis aos quais somos destinadas, ainda passam por conceitos, com objetivos claros: nos manter (sempre) em nossos lugares. Recentemente o filho de um candidato à presidência, disse que: 'mulheres de direita são mais bonitas'. Ah! O peso de certas frases, ditas com alvo certo. 

As opressões e ditaduras estão por todos os cantos. Em um universo feito por Homens para homens, não é nada fácil se sobressair e evitar certos papéis. Dizer em voz alta que não pretende ter filhos, que não quer se casar e ter uma casa. E, acredite, o contrário disso também. As fogueiras ainda são acesas e se queimam muitas de nós nessas chamas. 

A relação da personagem com o ‘papel de parede amarelo’ é de obsessão, por estar confinada num quarto, que é sua vida-realidade-casamento... seu papel no mundo, enquanto mulher. Tudo a limita e aprisiona. Arrancar esse papel de parede amarelo é a única maneira de libertar-se. O desconforto, no entanto. está em não ser capaz de identificar sua condição: corpo-parede-papel. 



O papel de parede amarelo

Charlotte Perkins Gilman

Editora José Olympio

Apresentação Marcia Tiburi

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9 comentários

  1. Dessas coisas que se lêem bagunçando os dedos...

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  2. Resenha dessas e a gente pensa "que bom que a literatura existe"!

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  3. Vixi um assunto desses vai longe, ontem mesmo houve discussão em casa sobre o tal feminismo. Na verdade acho que a questão toda é o respeito acima de tudo.

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    1. Respeito acima de tudo e de todos. A paz começa pelo respeito ♥

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  4. Acho que nos desprender das amarras impostas desde que nascemos é o segredo para sermos felizes em autênticos, mas parece ser tão díficil atingir isso que a maioria permanece estagnada.
    Voltei com o blog e estou com postagens diárias este mês; se puder, passe por lá.
    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

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    1. É exatamente isso nana.
      Parabéns pelo seu retorno. Seja bem vinda (novamente) ♥

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